quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Olhos azuis


"O brilho dos teus olhos, de amor é fonte. Olhar que faz brilhar todo horizonte. Eternos, inspirados na pintura. Que Deus pintou, com gosto, nas alturas. Divinos, obra mor do Criador. Teus olhos, inspiração de um sonhador." - Manoel Virgílio


O doce de abóbora já estava quase no ponto e eu definitivamente não estava a fim de sair de casa naquele dia. Alfredo não parava de insistir. "O dia está lindo" dizia, eufórico, tentando me convencer. "Além do mais é sempre bom tomar um banho de mar, serve para tirar as energias negativas". Alfredo é assim, quando mete alguma coisa na cabeça ninguém mais tira. Disse também que um recente amigo seu iria conosco. Iríamos de carro. Na verdade não era bem um amigo, Alfredo havia conhecido o cara na internet, talvez já tivesse ido a sua casa, vez ou outra, à companhia de alguém, mas aquela tarde estava reservada para conhecê-lo melhor. Eu sabia de suas intenções para aquele dia, o que de fato, fez com que eu tivesse cada vez menos vontade de sair.

Ouvi a máquina de lavar concluindo seu trabalho. O doce ainda levaria alguns minutos para ficar pronto. Alfredo pois-se a me apressar dizendo que seu amigo já estava chegando. Disse que ele traria alguém legal para me apresentar. Não me animei. Logo o interfone tocou, eram os dois. Eu continuei na cozinha enquanto Alfredo foi até o portão do prédio. Depois de algum tempo Alfredo voltou com o mesmo discurso. Pediu insistentemente que eu fosse até a rua para conhecer seus amigos. Eu vestia apenas uma samba-canção, destas de seda, pensei em vestir um short e uma camiseta, mas como iria somente ao portão dei de ombros.

Já na calçada fui apresentado aos dois, Antonio e Xavier. Ambos de baixa estatura e com aproximadamente quarenta anos. Xavier tinha um olhar perdido. Mal notei a cor, tamanho, ou expressão de seus olhos, já Antonio era dono de fulminantes olhos azuis que eu tinha a impressão de estarem me atravessando a alma. Antonio e eu nos olhamos por segundos até que Alfredo quebrasse o silêncio. “Ele não que ir conosco porque está fazendo doce de abóbora”, disse com um tom debochado e um risinho chocho forçando o canto dos lábios. Sem tirar os olhos de mim Antonio insistiu para que eu fosse. “Ok! Vocês venceram. Aguardem um instante que eu já volto”. Atravessando a rua em direção ao prédio fiquei perguntando-me porque havia dito aquilo, afinal eu não queria ir. Olhei para trás e os olhos azuis ainda me fitavam.

Entrei apressado, desliguei o fogo sem verificar se o doce já estava no ponto. Vesti uma sunga qualquer e bati a porta às minhas costas me esquecendo de estender a roupa para secar. Sorri para Antonio pensando no que me fizera mudar de idéia tão de repente. Hesitei em pensar bobagens, até porque, para mim Antonio já estava “prometido” a Alfredo e eu deveria me aproximar de Xavier, que não havia me chamado à atenção. Alfredo e eu nos sentamos no banco de trás. Pelo retrovisor eu podia ver nitidamente o modo como Antonio encarava-me, tentei não corresponder, mas foi inevitável.

Só quando chegamos à praia notei que o dia estava realmente lindo como Alfredo havia dito. Nos posicionamos na areia próximo a um quiosque que o Antonio indicou e ficamos tomando sol. Alfredo puxou conversa tentando criar um clima amistoso entre todos. Falávamos sobre diversos assuntos sem muita objetividade. Ambos eram muito simpáticos. Xavier era mais falador, contudo não conseguia prender minha atenção, talvez também não fosse esta sua intenção. Conversamos sobre minha recente mudança para o Rio, sobre as diferenças de culturas e ritmos de vida de um lugar para outro. “Em São Paulo as pessoas tem um ritmo mais agitado, trabalham mais”, dizia eu tentando me gabar sem saber exatamente o que queria dizer. A conversa prosseguiu naturalmente durante toda a tarde e eu já não me incomodava mais com a insistência dos olhos azuis que, vez por outra, me fitavam como a procura de uma resposta.

Por volta das dezessete horas Antonio sugeriu que fossemos embora. Alfredo concordou imediatamente, eu disse que tudo bem e Xavier também não se opôs. Antonio se dirigiu ao quiosque para acertar a conta, quando voltou já estávamos nos preparando para sair. Alfredo foi à frente, seguido por Xavier, enquanto eu sacudia a canga para tirar a areia e Antonio fechava a cadeira de praia que ele mesmo levou. O pouquíssimo tempo que ficamos pra trás foi suficiente para Antonio, olhando fixamente nos meus olhos, pronunciar as seguintes palavras: “você é uma gracinha”. Eu não sabia o que dizer e agradeci o elogio apenas com um sorriso tímido. Seguimos. Em direção ao carro, estacionado a certa altura da Avenida Atlântica, Antonio nos disse que alguns amigos seus e do Xavier os esperavam num bar que ficava no caminho de volta. Gentilmente convidou-nos para acompanhá-los. Alfredo relutou, mas eu estava interessado no que poderia acontecer. Desta vez foi eu que insisti para que ele fosse. Dentro do carro a troca de olhares pelo retrovisor se repetiu de forma recíproca e com mais intensidade.

O Bar era pequeno, mas bem movimentado e a decoração lembrava um antigo cabaré. Ficava a poucos quilômetros de casa. Eua já tinha passado em frente, mas sem nunca ter entrado. Alguns rostos familiares circulavam por ali. Na mesa um irmão de Antonio e outros amigos nos receberam. Fomos apresentados, trocamos beijos, abraços e apertos de mãos. Todos se acomodaram. Para minha surpresa Alfredo deixou uma cadeira vazia ao lado de Antonio e fez um sinal para que eu me sentasse nela. Xavier encheu nossos copos com cerveja e Antonio propôs um brinde. “À noite, que está linda!” disse, olhando para mim. Todos na mesa eram muito agradáveis. Alfredo falava com o irmão de Antonio assuntos que chegavam aos meus ouvidos, mas não conseguiam desviar meus pensamentos. Meus olhos estavam fixos nos olhos de Antonio. Eu já podia sentir suas pernas roçarem as minhas sob a mesa. Meu desejo empurrava-me para aquela tentação, ao passo que, minha consciência relutava colocando Alfredo entre nós. Na praia os dois haviam conversado pouco. Antonio não deu muita atenção a Alfredo e ele também pareceu não se importar muito com isso. Perguntou-me o que eu havia achado de Antonio, eu disse apenas que era simpático.

Horas depois, Alfredo decidiu ir embora. Pedi para que ficasse, mas não adiantou, desta vez não insisti. Pensei em ir também, mas não consegui, minhas mãos já tocavam as mãos de Antonio sobre nossas pernas. Despedi-me de Alfredo com um aperto de mãos e um tapinha nas costas e ele sumiu dobrando a esquina. Meu olhar se voltou para a mesa a procura dos olhos azuis, mas eles não estavam mais lá. Alguém na mesa informou-me que ele tinha ido ao banheiro. Pensei em ir até lá mas logo desisti, não achei conveniente. Acendi um cigarro e resolvi esperar por ele ali mesmo enquanto participava de um interminável monólogo produzido por uma de suas amigas.

Quando ele voltou sentou-se à mesa, ascendeu um cigarro e enquanto liberava a fumaça de seus pulmões perguntou-me com um olhar malicioso se eu gostaria de ir embora. Desviando-me do monólogo respondi que sim. Rapidamente nos despedimos do pessoal e em poucos minutos já estávamos no carro, desta vez só ele e eu. As portas bateram juntas, nossos olhos se encontraram segundos antes de nossos lábios. Não sei explicar o que senti durante aquele beijo, nem quanto tempo ele durou. Sei que foi molhado e que por algum motivo eu não conseguiria esquecê-lo. Sem dizer nada, mas já sabendo o que estava por vir, seguimos para o seu apartamento.

Morávamos na mesma rua, aproximadamente uns dez prédios separavam os nossos. Ele parou o carro na calçada em frente ao seu apartamento e verificou algo antes de subirmos. O apartamento era muito acolhedor, bem agradável, precisava só de alguns toques na decoração e, de repente, uma nova mão de tinta. Conduziu-me direto para o seu quarto sem muitas palavras. Estava aparentemente ansioso. Eu também estava, porém um pouco mais calmo. Já deitados e completamente despidos eu podia sentir sua língua percorrendo meu pescoço como se procurasse algo. Nossas mãos deslizavam mutuamente sobre nossos corpos como as de um cego a contemplar uma obra de arte. Respirávamos ofegantes e nos apertávamos um contra o outro como se quiséssemos, numa espécie de mutação, sermos um só. Nossas partes íntimas ainda preservavam a areia da praia. Não demoramos muito a soltar um uivo e cair na cama entregues a exaustão, parecíamos ter entrado num estado de transe. Minutos depois, quando retomei a consciência, fui surpreendido por serenos olhos azuis, cheios de ternura a me observarem. A inquietação havia passado e tudo que restara era paz e tranqüilidade. Abri um pequeno sorriso sem mostrar os dentes e perguntei-me em silencio: “como seria não ter Antonio por perto?”


Felizmente eu nunca soube a resposta. Desde então sou surpreendido todas as manhãs pelos mesmos olhos azuis que me atravessaram a alma naquele domingo de sol, quando minha única certeza era um saboroso doce de abóbora.

16 comentários:

Unknown disse...

A liberdade foi dada aos que sonham em voar mais alto. O infinito foi dado aos que almejam seguir o caminho e ir ao objetivo que o anima. O céu foi dado ao que ama e por amor se faz livre em amar tudo o que Deus criou. E hoje peço a Deus que ilumine este meu amigo em que tive tantos momentos espeicias, de tantos risos, de tantos choros...Que o bom Deus te faça feliz Di, sempre. Um forte abraço dos seus eternos amigos. Célio, Gi, Vitor, Vitória e Verônia. Nossa quantos nomes....kkkkkkkk.........fuiiiiii.

Unknown disse...

Sempre fui a favor do "felizes para sempre" (ou até o quanto durar...). Acho que todos devem ser felizes como são e não fingir para agradar aos outros, a vida é curta para quem não vive e eterna para quem sabe aproveitá-la. Quem não vive ousadamente contará o que aos netos...? Amei a história, raramente hoje encontramos romances a primeira vista... Vivam intensamente, sejam felizes... Di, continue a escrever, você pode ir muito além de um conto... Parabéns!!!
sempre que precisar pode contar com a gente...
Super beijo e abraço meu e do Bê.
Te amamos...

Unknown disse...

Di.....ameii realmente
é uma bela historia....de uma bela pessoa....te adoro muito e felicidade pq vc mereçe....e momentos como esse a gente só tem q aproveita.....bjusssss sa

Anônimo disse...

Nossaaaaaaaaaaaaaaaaaa, que graça, mais vc esta saindo um belo escritor. Muito bonito viu e mais importante, nos prende completamente a atençao. Parabéns, é um lindo texto!

Bjos e mais bjos

Anônimo disse...

Nossa mtt lindoooo....o destino sempre nos guarda algo...
parabensss.....

Anônimo disse...

Certas coisas na vida só irão ser entendidas quando deparamos com ela ou a enfrentamos, na verdade não era para entender e sim viver momentos, momentos esse que podem ser eternos.
Caro amigo conterrâneo sabe a admiração que tenho por você e agora mais ainda por tão linda história, adorei!
Parabéns fiquem com Deus!
Beijos
fer

Anônimo disse...

Oieeeee Dii!!!
Gostei..mto bom!a historia te prende.. nem estava com mto tempo,mas quando comecei ler não podia sair sem terminar!!!
show de bola!!!
bom saber q o tio carlinhos tá te influenciando coisas boas assim!!!!
saudades!!! beijos pra vc e pro meu tio!!!

Anônimo disse...

oi di, muito bom, amei, apesar de ter ficado com o gosto de dosce de abobora em minha boca mas ....
mais a historia ficou realmente muito criativa, achei interessante, e tem futuro só espero que não fique apenas nesta linhas, que possa crescer cada dia mais
ah já ia me esquecendo manda um abraço para os olhos azuis.
Fique com Deus

Anônimo disse...

Ahhhhhh Mulek, muuuuito bom o texto!
Foi uma leitura muito gostosa, não conseguia mais parar. Parabéns, acho que vc nasce pra isso!!!
Espero ver mais textos em breve!
Garnde abraçooo!

Unknown disse...

Oi Diego! Muito bom seu texto! Fiquei um pouco surpresa com os detalhes (imagine meu namorado então que estava sentado do meu lado? rsss).
Mas vc escreve bem sim! Tio Carlinhos influencia mesmo a gente! Pouco tempo aí e eu disparei a ler livros! Só não deixa ele te influenciar nas chatices e implicâncias que só ele tem !kkkkkkk
bjuu grande!!

Anônimo disse...

oi diego adorei cd pedacinho era como se estivesse lá vivenciando tudo aquilo,não me surpreendir em nada em saber o quanto carlinhos ficou encantado ,pois vc é uma daquelas pessoas q passam por nossas vidas e jamais serão esquecidas vc cativa apenas com seu olhar e sorriso doce,espero q vcs possam continuar com aquele encantamento da manhã de domingo, que sempre vai ter sabor de doce de abobora kkk,carlinhos é uma pessoa as vezes fechada e implicante mais maravilhosa e vcs tem tudo haver, os poucos momentos q passamos juntos fiquei admirada com tanta cumplicidade entre ambus,sabe aquilo q dizem o encaixe perfeito ,alma gemêa é isso ai ,torço para q a cd dia vcs possam estar mais felizes pois amo vcs, e adorei ter lhe conhecido vc está guardado em meu coração,cd momentos q passamos foi simplesmente maravilhoso, estar ao seu lado foi super legal acho q nunca tive oportunidade de lhe dizer mais era como se já nos conhecessemos a tempos,sei q teremos outros passeios loucos sem destinocerto lembra;olha vc darioa um excelente escritor pense nisso tá e sempre q puder mande para mim eu amei bjuxxxxxxx

Anônimo disse...

Show de bola sua historia, quero ler as próximas tb.
Continue... talento vc tem de montão!!!
Um forte abraço!!!
Ricardo Luiz

Anônimo disse...

Uauuu, Di!!!
Adorei! A maneira com a qual vc vai tecendo a história é fantástica!
Só não faça como eu que abandonei o meu!
Parabéns, lindo!
Beijos,
Lud.

Anônimo disse...

Oi Di, mto legal !!! bejosss

Anônimo disse...

É, antes de tudo, vou te falar sinceramente que nao queria ler, o texto era muito grande e tava com uma preguiiiça.. mais comecei a ler e depois, nao percebi que tinha cabado, e queria mais e mais historia !
Como Andreza disse, é claro que fiquei surpresa com alguns detalhes..
Vc já é um belo escritor, e contagia não só aos olhos azuis, como a todos !
Continue assim, e me mande as outras historias tbm...
Parabéeeens pelo texto .
Beijos, para vc e para o Tio Carlinhos.
Karine Aglio.

Anônimo disse...

Que seja eterno enquanto dure !
Independente se ambos sejam do mesmo sexo, ninguém tem nada com isso, em primeiro lugar.a vida amorosa do ser humano não diz respeito a ninguém além de qm vive nela ' os dois no caso'.
Quando se gostam não a nada a esconder, apenas viver intensamente e foda- se os nós !!
"A vida tem a cor que a gente pinta".
Di, que Deus ilumine a sua mente e a sua vida que muitos contos, histórias, lendas enfim nos tragam o entendimendo e sabedorias a mais . Parabéns =]

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia. E, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos." - Fernando Pessoa